Ventos que geram oportunidades: kitesurfe transforma realidades e se consolida como vetor econômico no Ceará
25 de outubro de 2025 – 15:51
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Eliezio Jeffry – Ascom Casa Civil – Texto
Helene Santos – Casa Civil – Fotos

Esporte ganha força no litoral cearense, movimenta o turismo, gera empregos e impulsiona novos negócios
Sob um céu azul, o vento pinta cores e os kites desenham liberdade. Esse é o cenário encontrado no litoral cearense, com velejadores deslizando sobre as águas e se aventurando no horizonte. O que torna tudo isso perfeito? Algo que se encontra com facilidade para a prática no estado: ventos fortes e constantes.
Esse cenário atrai atletas profissionais e amantes da modalidade de diversos países, especialmente no segundo semestre do ano, período em que os ventos alísios atingem seu ápice. Cada rajada impulsiona não apenas pranchas e pipas, mas também o turismo, gerando novas oportunidades e consolidando o estado como um dos destinos mais buscados.
O esporte, que surgiu na França em 1990, é um importante agente impulsionador. A pipa inflável, capaz de decolar da água, passou de inovação a modalidade olímpica, ganhando força mundialmente. No Ceará, o esporte chegou em meados dos anos 2000, influenciado pelo windsurfe – cujas técnicas se assemelham às do surfe e do wakeboard, de acordo com Raimundo Ferreira.

Dos 51 anos de idade, 25 são dedicados à prática do kitesurfe, período em que viu sua vida mudar. Na Lagoa do Cauípe, em Caucaia, ele é conhecido como Bê do Kite. Proprietário de uma barraca no local, ele conta como viu o esporte surgir e se tornar vetor de desenvolvimento econômico.
“Eu trabalhava como flanelinha em Fortaleza e ficava em um ponto da orla onde muitos estrangeiros iam praticar o windsurfe. Eu os ajudava a colocar o equipamento no carro e, com o tempo, fui me aproximando e aprendendo. Então, comecei a trabalhar com isso, mas depois foi me apresentado, por um amigo francês, o kitesurfe. Na época, era de duas linhas, a barra era diferente. Ele veio aqui e falou que o kitesurfe ia bombar no mundo. Foi quando eu iniciei e me tornei o primeiro professor do estado do Ceará”, conta, orgulhoso.
Nesse período, a mudança influenciada pelo kitesurfe é “nítida”, considera Bê do Kite. “Hoje a gente vê que toda a orla do Ceará tem pousadas, tem escolas, trouxe o turismo para cá e isso é muito importante”, destaca, acrescentando que o turismo esportivo no estado é influenciado, em sua maioria, pela modalidade. “Com certeza, o que eu tenho, agradeço tudo ao esporte. O kitesurfe faz as pessoas crescerem. Quem quer trabalhar, ele ajuda muito, porque é um esporte que está se desenvolvendo e vai se envolver mais”, avalia.
De acordo com a Secretaria do Turismo (Setur), o gasto médio per capita do visitante que vem para a prática do kite atingiu R$ 3.965,45 em 2025. Já a receita turística direta, derivada deste segmento, cresceu de R$ 1,145 para R$ 1,387 bilhão, o que equivale a um avanço de 21,2% em apenas um ano. Os números levantados pelo Governo do Estado refletem o crescimento que o negócio de Bê do Kite apresenta.

A barraca da qual ele é proprietário, no Cauípe, tem cerca de 80% do seu faturamento influenciado pelo kitesurfe. E ele não é o único que vive da prática esportiva no estado. Tomaz André é outro empreendedor do ramo e proprietário de uma escolinha na Ilha do Guajiru, no município de Itarema, a Soulkite. Após um período de aversão ao esporte, em virtude de um acidente, ele voltou a se apaixonar e fez da modalidade sua principal fonte de renda.
Do seu primeiro contato, em Jericoacoara, até os dias atuais, já são 17 anos de kite em sua vida. A região da Tabuba e o Cumbuco – também em Caucaia – foram os locais onde Tomaz André se desenvolveu e começou a atuar como instrutor. Durante esse período, ele trabalhou em um resort na região, que representou uma grande virada de chave em sua vida, ao perceber o impacto da modalidade. “Lá eu realmente comecei a perceber o quanto o kitesurfe impactava o nosso estado, pela visita de estrangeiros, pela possibilidade que eu tinha de me conectar com pessoas de outras regiões do Brasil, do Ceará e também do mundo. E isso fez com que me despertasse o interesse em falar outros idiomas, como o inglês e o espanhol, nos quais hoje sou fluente”, diz.

Em 2015, na Ilha do Guajiru, nasceu a sua escolinha – fruto do desejo de viver do kitesurfe e morar na praia. “Eu sou muito grato ao esporte, que me trouxe essa condição de viver culturas diferentes aqui dentro da minha terra, dentro da minha casa. Assim como eu, muitos outros instrutores do estado do Ceará utilizam o kite no segundo semestre como a sua principal fonte de renda”, conta. Ao longo de uma década de funcionamento, Tomaz estima ter atendido mais de 4.500 pessoas.
A certificação internacional para atuar como instrutor, obtida em 2009, foi revalidada em 2016. Tomaz destaca que o estado do Ceará, por contar com condições favoráveis, precisa acolher bem os turistas que vêm com esse objetivo, garantindo segurança na prática da modalidade. “É fundamental, até para ele se colocar em uma condição de segurança. O kitesurfe no Ceará hoje está muito entrelaçado com a questão do turismo e traz muito retorno financeiro.”

Famílias e casais, em busca de novos desafios, formam o perfil de turistas que ele mais recebe. Para incrementar o serviço ofertado, ele agregou à Soulkite uma casa de hospedagem construída bem ao lado de sua residência – onde mora com sua esposa e a filha, Vidda, de 1 ano e 2 meses. Poucos passos dali, é possível acessar a lagoa da Ilha do Guajiru, onde se pratica o kitesurfe – refúgio para o casal Renato e Patrícia Fernandes, que desembarcou no local após indicação de amigos. Cariocas, ele é médico e ela, dentista. Após passagem pela Praia do Preá, eles se encantaram com a qualidade, as condições e a constância do vento.

“A experiência está sendo incrível, no sentido tanto do aprendizado quanto do lugar. As pessoas são receptivas e acolhedoras. O povo do Ceará é nota mil”, elogia. Patrícia, a esposa, contempla o local que descreve como “um pedaço do paraíso para o kite”. “A gente está bem feliz aqui com toda essa recepção que a gente teve. Alguns amigos já tinham nos alertado, nos avisado, dizendo que as condições eram perfeitas para o kite, e a gente veio comprovar.”
Tomaz, instrutor do casal, acrescenta que o encanto dos turistas que recebe está na beleza e no colorido da terra, além da hospitalidade – segundo relatos. Outro diferencial, aponta ele, é a gastronomia, com pratos como peixe, camarão, polvo e lagosta. “O modo de preparo é muito simples, mas é uma comida que tem uma textura muito marcante. Então, o que eles mais evidenciam é a surpresa”, destaca.

Antes de experimentar a sensação de “total liberdade, paz e conexão com a natureza” ao velejar – como ela própria define –, Patrícia fala da experiência de conhecer o Ceará. “A gente está encantado com a região, com a natureza e com a hospitalidade do povo. Cada vez que a gente vem para um local desse, enxerga uma vitrine de espetáculo da natureza. A gente viaja o mundo todo, mas não tem nada igual à nossa terra, e esse Ceará aqui é sensacional.” Já Renato, o esposo, avista, durante nossa conversa, o pentacampeão mundial de kitesurfe na categoria freestyle, Carlos Mario Bebê. “Saber que tem um cara que foi cinco vezes campeão mundial aqui realmente é uma situação diferente”, admira.
De passagem pela região, Bebê – como é conhecido – auxilia Tomaz na SoulKite, compartilhando sua experiência vitoriosa tanto no âmbito profissional quanto pessoal, com o kite. Cria da Lagoa do Cauípe, ele conta que foi a partir do esporte que conseguiu alçar maiores voos em sua vida, como a construção de uma casa para sua mãe – seu maior orgulho.

“Eu fico muito feliz [em ser reconhecido como uma referência], porque a gente sabe o trabalho que teve pra criar um nome. E, quando chegam esses momentos, a gente sabe que cada instante ali dentro da água valeu a pena e, por mim, eu passava o dia todo na lagoa treinando”, brinca. “Quando a gente está aqui na beira da lagoa e chega alguém e fala: ‘Bebê, a gente pode tirar uma foto contigo?’, eu olho para ele e penso: ‘que massa ser reconhecido’”, relata.
“O kite representa minha vida”
Fonte de renda, o kitesurfe é um esporte que desempenha um papel importante na vida de muitos cearenses. “Foi com ele que eu realizei sonhos. É dele que me sustento, ajudo minha família, construí minha própria casa. O kite me deu a oportunidade de conhecer outros países, outras culturas”, conta Bebê.

Já para o instrutor Tomaz André, da SoulKite, a modalidade representa uma ferramenta de transformação. “O kite surgiu na minha vida como uma oportunidade de impactar o mundo à minha volta, através do que eu acredito. E, com isso, procuro impactar positivamente a vida dos meus alunos. Independente da esfera social e econômica de onde ele venha, ele vai sempre levar um pouco mais de aprendizado.”

Assim como aconteceu com eles, que tiveram a oportunidade de transformar suas vidas por meio do kite, Bê do Kite – que entrevistamos no início da reportagem – também busca oferecer a outras pessoas a chance de mudar suas histórias através do esporte. No Cauípe, ele lidera o projeto “Velejando nos Sonhos”, que já atendeu cerca de 30 crianças, entre elas o próprio Bebê.
O empresário se orgulha do trabalho, que já rendeu bons frutos. “Com esse projeto eu ajudo o pessoal local e das redondezas, as crianças carentes. Hoje nós temos um atleta, que é o Carlos Mário Bebê, que reconhece o trabalho que foi feito lá atrás e é, nada mais, nada menos, que pentacampeão mundial e hexacampeão brasileiro. Isso dá muito orgulho pra gente, pra nós aqui do Cauípe, cearenses e brasileiros”, ressalta.

Sobre o projeto social, mantido por meio de doações, Bê explica que muitos estrangeiros que chegam ao Ceará para a prática do kite, ao finalizarem suas temporadas, decidem doar os equipamentos. Essa ação impulsiona sonhos, transforma realidades e contribui para um futuro em que o kitesurfe siga protagonizando mudanças e realizando sonhos.
Crescimento do turismo internacional

O Ceará colhe frutos no turismo internacional com o kitesurfe. Estrangeiros de vários países buscam o estado para a prática do esporte, passando de uma a duas semanas hospedados em pousadas, hotéis e resorts, velejando todos os dias e gerando oportunidades para os cearenses. Neste ano, em comparação a 2024, o número de turistas nesse segmento saltou de 297.515 para 350.000, o que representa um aumento de 17,6%.
Na Ilha do Guajirú, onde os bons ventos da temporada nos levaram, kitesurfistas do mundo todo transformavam o horizonte em um espetáculo colorido. Por lá, o que menos se ouve neste período do ano é o português. Suíços, mexicanos e argentinos são alguns dos estrangeiros que conversaram com a reportagem. Clique aqui e confira.
