MPF-SE realiza I Seminário de Protocolo CEVD com foco no manejo ético de gatos de vida livre
O I Seminário Sergipano de Protocolo CEVD (Captura, Esterilização, Vacinação e Devolução) foi realizado, nesta sexta-feira (7), na sede do Ministério Público Federal de Sergipe (MPF-SE), com a presença da deputada Kitty Lima (Cidadania) e demais autoridades. O evento, promovido em parceria com as instituições Ação Vet e Bicho Brother, reuniu especialistas, representantes do Poder Público e organizações voltadas à causa animal para discutir o manejo populacional de gatos de vida livre, além de temas relacionados à saúde pública, ao bem-estar animal e à responsabilidade compartilhada entre gestores e sociedade.
A programação contou com palestras, mesas-redondas e um curso prático, proporcionando um espaço de aprendizado e troca de experiências sobre o manejo ético de populações felinas. Entre os temas abordados estiveram a formação em castração minimamente invasiva, os aspectos legais do protocolo CED (captura, esterilização e devolução), a medicina de abrigos e a integração entre saúde humana, animal e ambiental — princípios que compõem o conceito de “Saúde Única” defendido por organismos internacionais.
Durante sua participação em evento que discutiu o controle populacional de animais urbanos, a vice-líder do Governo na Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), deputada Kitty Lima, destacou a importância da aplicação do conceito de “Saúde Única”, que integra o bem-estar animal, humano e ambiental. “Esse conceito de saúde única já levei na Alese várias vezes, porque é o que impera hoje a nível mundial. O próprio CED é um programa importantíssimo. Eu mesma sou entusiasta, porque em todas as cidades que visitei no Brasil, ele é aplicado. Temos mais de 40 milhões de animais abandonados no país. Não há lar para todos, então a castração é a solução”, ressaltou.
Deputada Kitty Lima
A parlamentar lembrou que sua trajetória política é marcada pela defesa da causa animal e pelo incentivo a políticas públicas de castração e cuidado responsável. “A lei da castração, por exemplo, foi de minha autoria quando ainda era vereadora. Depois que trouxe a causa animal à tona, esse tema passou a ser amplamente debatido também na Alese. Inclusive, a castração foi pautada por outros parlamentares, mostrando que é um assunto de interesse coletivo”, recordou Kitty Lima, ao enfatizar que a medida é essencial tanto para o controle populacional quanto para a prevenção de zoonoses.
A parlamentar reforçou ainda a importância da união entre o Poder Público e instituições como o Ministério Público Federal, que têm se engajado na causa. “Sou parceira do Ministério Público Federal, que está fazendo um trabalho incrível, somando forças com todos que amam os animais. Hoje, estamos vendo debates importantíssimos para a criação de um protocolo oficial de condução dessas ações. Vim aqui como entusiasta, mas também para aprender e seguir contribuindo com novos projetos voltados à proteção e ao bem-estar animal”, concluiu.
O secretário da Promoção e Defesa dos Direitos dos Animais de Nossa Senhora do Socorro, Adriano Bandeira, destacou a relevância da união entre instituições em prol da causa animal durante o seminário sobre o método CED. “É muito importante essa parceria do MPF com a Assembleia Legislativa, que recentemente realizou um congresso fundamental para tratar de temas prioritários da causa animal. O MPF representa a continuidade desses projetos. Aqui estamos discutindo algo específico e científico, que é a captura dos animais errantes, a esterilização por meio da castração e a devolução”, afirmou.
Secretário Adriano Bandeira
Adriano Bandeira ressaltou, porém, que ainda há desafios jurídicos que dificultam a aplicação plena do método nos municípios. “Nós, gestores municipais, ainda não temos segurança jurídica para realizar a devolução desses animais, o que gera um impacto social relevante. A Assembleia Legislativa de Sergipe já avançou nesse sentido, com a deputada Kitty Lima, garantindo por lei que os animais podem ser devolvidos à comunidade. Mas precisamos do apoio do Ministério Público Federal e de eventos como este, que resultem em protocolos claros e com segurança jurídica. Esse, para mim, é o ponto mais relevante e será o ponto alto do seminário, com a apresentação desse protocolo ao final do encontro”, concluiu.
O procurador da República, Igor Miranda, destacou a relevância de trazer pela primeira vez a discussão sobre o protocolo CED para o estado de Sergipe. de acordo com ele, o método é “um protocolo internacional, ético, realizado mediante aprovação dos conselhos, inclusive do Conselho Federal de Medicina Veterinária”. O procurador lembrou que Sergipe já possui legislação que autoriza a aplicação do protocolo, mas ressaltou que sua execução ainda é limitada. “Temos algumas medidas, especialmente na capital, com o programa Aju Animal, mas a realização desse protocolo nas colônias de animais que vivem em praças, campos universitários e até cemitérios ainda não acontece e isso é muito fundamental”, afirmou.
Procurador da República, Igor Miranda
O procurador também ressaltou a relação entre o cuidado com os animais e a saúde pública, reforçando a importância do tema em um contexto global. “Um estudo recente da FGV (Fundação Getúlio Vargas) indica que 60% das doenças que acometem os humanos têm origem na vida silvestre, nos animais. Então, tratar e cuidar deles de modo ético é também preservar a vida humana”, explicou. Igor Miranda lembrou ainda que o debate está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Estamos às portas da COP30, e um dos objetivos, o ODS 15, trata da criação de um mundo e de um planeta sustentável. Esse evento e esse protocolo caminham justamente nesse sentido”, concluiu.
A promotora de justiça, Ana Paula Machado, da 5ª Promotoria do Cidadão do Ministério Público Estadual, destacou a importância de adotar práticas humanizadas no controle populacional de animais. “A prática de capturar, esterilizar e devolver o animal de forma humanizada à sua colônia é fundamental, porque só assim é possível diminuir essas populações que se multiplicam diariamente”. A promotora ressaltou que o crescimento descontrolado das colônias representa também um risco à saúde pública. “Há casos de colônias que começaram com 20 animais e hoje têm 200. Então, esse controle é uma forma, inclusive, de eliminar o risco à saúde humana”, explicou.
Promotora de Justiça, Ana Paula Machado
Ana Paula Machado enfatizou ainda a necessidade de ampliar as ações para além das iniciativas individuais e fortalecer a busca ativa dos animais em situação de rua. “Já existem programas em que as pessoas levam seus animais, como o Aju Animal, mas ainda falta essa busca ativa, de ir até as colônias para capturar, esterilizar e devolver os animais ao ambiente”, afirmou. A promotora destacou que essa é uma das metas do projeto ‘Gestão Ética de População de Cães e Gatos’, desenvolvido em parceria com o Ministério Público Federal. “Esse trabalho conjunto é essencial para promover um controle ético e sustentável dessas populações”, concluiu.
Durante o seminário, especialistas destacaram a importância de políticas públicas efetivas e sustentáveis para o controle populacional de animais em situação de rua, especialmente os gatos de vida livre, cuja reprodução descontrolada pode gerar impactos ambientais e sanitários. As discussões ressaltaram ainda que a aplicação correta do Protocolo CED é fundamental para garantir o equilíbrio entre a proteção animal e a saúde coletiva.
O médico-veterinário e cirurgião Walter Figueira explicou que o protocolo CED é uma prática multidisciplinar que pode ser aplicada de forma mais ágil e com menor custo pelos municípios. “O conceito de CED envolve várias etapas. Há quem localize e capture o animal, a parte cirúrgica, que é a minha área, e depois a devolução ao ambiente. É importante entender que esses animais, na maioria das vezes, não têm contato com humanos. Alguns são ferais, mais agressivos e se estressam com facilidade, principalmente os felinos”, destacou. Ele ressaltou que o manejo correto desses animais é essencial para garantir o bem-estar e evitar traumas durante o processo.
Médico-Veterinário, Walter Figueira
O veterinário apresentou a cirurgia minimamente invasiva como uma alternativa eficiente e de baixo custo para o controle populacional. “É uma técnica que demanda menos tempo, causa menos dor, menos estresse e requer uma incisão muito menor. Com isso, conseguimos devolver o animal à sua colônia em até 12 horas”, explicou. De acordo com ele, o método evita o chamado ‘efeito vácuo’ — quando a remoção de animais de uma área estimula a chegada de outros —, além de permitir que o procedimento seja realizado com poucos recursos. “Essa técnica precisa ser difundida, porque infelizmente ainda não é ensinada nas faculdades de veterinária. Eu venho desenvolvendo minha própria técnica há 18 anos, justamente pensando na necessidade de devolver o animal à rua o mais rápido possível”, acrescentou.
Walter Figueira também ressaltou que o protocolo CED é uma solução viável para os desafios enfrentados pelo poder público, como a falta de espaço e de estrutura para manter os animais. “O processo completo, da captura à devolução, leva no máximo 18 horas, o que torna tudo mais prático e econômico. Em uma colônia com 50 gatos, por exemplo, é possível capturar, esterilizar e marcar cada animal rapidamente”, explicou. Ele detalhou ainda o sistema de identificação adotado após a cirurgia. “O animal esterilizado recebe uma pequena marca na ponta da orelha, o que permite identificá-lo à distância e evita recapturas desnecessárias. Isso reduz o tempo, o custo e o número de pessoas envolvidas, tornando o processo muito mais eficiente”, concluiu.
O técnico em gestão ambiental e coautor do Manual de Aplicação do Método CED, Eduardo Pedroso, destacou a importância de consolidar o protocolo de Captura, Esterilização e Devolução (CED) como uma política pública permanente para o controle populacional de gatos de vida livre. “O protocolo já existe e é internacional. No Brasil, ele é aplicado justamente para controlar a população desses animais, que impactam diretamente a saúde pública. Quando falamos de gatos de vida livre, não estamos tratando apenas de cuidado com os bichinhos, mas de prevenção de zoonoses e de doenças que podem ser letais para as pessoas”, explicou. De acordo com ele, é fundamental que o Estado brasileiro e as prefeituras passem a adotar o método de forma estruturada e contínua. “Poucos Centros de Controle de Zoonoses (CCZs) no país têm equipes que fazem a busca ativa desses animais nas ruas. São Paulo é uma exceção. A ausência dessa política contribui para o aumento da população felina e, consequentemente, para os riscos à saúde pública”, observou.
Técnico em Gestão Ambiental, Eduardo Pedroso
Eduardo Pedroso alertou ainda para o crescimento de doenças transmitidas por animais, especialmente a esporotricose, que tem se espalhado em várias regiões do país. “Nós estamos vivendo um descontrole das zoonoses, e o caso mais grave é o da esporotricose. A Sociedade Brasileira de Infectologia alertou o país, em outubro de 2023, sobre o descontrole dessa doença. Quem trabalha com gatos de vida livre sabe que já é uma epidemia”, afirmou. O técnico explicou que a doença, além de atingir os animais, representa uma ameaça direta à população. “Em algumas cidades, como Itabuna, de cada dez gatos de vida livre, pelo menos dois ou três estão infectados. A esporotricose é uma zoonose, e como tal, pode afetar a saúde humana. É uma situação muito séria que exige ações urgentes”, reforçou.
Para o especialista, a aplicação efetiva do método CED é a principal forma de conter o avanço da doença e restabelecer o equilíbrio ambiental. “O enfrentamento da esporotricose e de outras zoonoses passa necessariamente pelo controle populacional dos gatos de vida livre. E a maneira correta de fazer isso é aplicando o método CED”, ressaltou. Eduardo destacou que o protocolo, além de ético e sustentável, traz resultados comprovados onde é implantado com planejamento e compromisso. “Controlar a população é cuidar da saúde pública, do meio ambiente e do bem-estar animal. É por isso que discutir e difundir o CED é tão importante para o futuro das nossas cidades”, concluiu.
A iniciativa também reforçou o papel dos municípios na implementação do Protocolo CED, conforme previsto na Lei Estadual nº 8.367/2017, que regulamenta ações de manejo ético e responsável. O engajamento das prefeituras é considerado essencial para o sucesso da política pública, que deve envolver campanhas educativas, ações de castração e o fortalecimento da rede de proteção animal.
Foto: Joel Luiz| Agência de Notícias Alese
