Em estudo inédito, Funceme utiliza sensoriamento remoto para ampliar monitoramento da qualidade da água dos reservatórios cearenses

Publicado em: 24/10/2025 10:22







24 de outubro de 2025 – 09:41
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Ascom Funceme – texto e fotos


Em um estado marcado pela escassez hídrica, compreender não apenas o volume, mas também a qualidade da água armazenada nos açudes é um desafio estratégico. Foi a partir dessa necessidade que nasceu o projeto “Implementação, em Caráter Operacional, do Monitoramento Qualitativo dos Reservatórios Monitorados a partir do Uso do Sensoriamento Remoto”, desenvolvido pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), em conjunto à Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), com apoio do Banco Mundial.

A iniciativa representa um avanço significativo na forma como o Ceará acompanha a qualidade da água de seus reservatórios, utilizando processamento digital de imagens de satélite e outras técnicas de sensoriamento remoto para gerar diagnósticos mais amplos e frequentes.

A partir de análises de parâmetros físicos, químicos e biológicos, foi possível identificar comportamentos distintos entre os reservatórios avaliados. Enquanto alguns apresentaram boas condições de qualidade, outros revelaram sinais de comprometimento, especialmente em regiões com uso mais intensivo do solo, presença de atividades agrícolas ou ocupação desordenada nas bacias de contribuição.

Entre os principais resultados, o estudo revelou avanços e alertas importantes. A metodologia desenvolvida permitiu identificar um número expressivo de reservatórios na Região Metropolitana de Fortaleza, mesmo em áreas de difícil detecção, ampliando as possibilidades de monitoramento da qualidade da água em zonas urbanas e rurais.

Também foi possível observar, em reservatórios como o Castanhão, os efeitos prolongados da seca de 2012 a 2017 sobre a eutrofização, que diminuiu gradualmente com a retomada das chuvas a partir de 2018.

Já o açude Curral Velho apresentou níveis de qualidade inferiores aos demais ao longo da série histórica, indicando altas concentrações de clorofila e turbidez, o que reforça a necessidade de maior atenção ao controle de nutrientes que chegam ao reservatório.

Gestão hídrica e na inovação

Para enfrentamento da escassez e da pressão sobre os recursos hídricos, o Governo do Ceará vem promovendo estudos voltados ao fortalecimento da gestão pública, com foco em diversas áreas, entre elas a qualidade da água em bacias hidrográficas estratégicas.

Nesse contexto, e no âmbito do projeto “Apoio ao Crescimento Econômico com Redução das Desigualdades e Sustentabilidade Ambiental do Ceará – Programa para Resultados (PforR)”, com recursos do Banco Mundial, buscou-se desenvolver uma metodologia adaptada às condições semiáridas para avaliação e simulação da qualidade da água em reservatórios do Estado.

Foi dentro desse esforço que surgiu a proposta de implementar, de forma operacional, o monitoramento qualitativo dos reservatórios a partir do uso do sensoriamento remoto, com o objetivo de ampliar a capacidade de observação e gestão das águas superficiais no Ceará.

Segundo Clécia Guimarães, pesquisadora e coordenadora da Unidade de Estudos Básicos da Funceme, a ideia do projeto nasceu da própria realidade climática e geológica do estado.

“O Ceará apresenta baixa precipitação e alta evaporação, o que reduz o volume dos reservatórios. Além disso, a geologia cristalina favorece solos rasos e o escoamento superficial, dificultando o acúmulo de água. Para contornar essa limitação, foi implantada uma política de açudagem, garantindo a segurança hídrica da população.”, explica.

Com o tempo, a população também passou a construir seus próprios barramentos. “De acordo com um mapeamento da Funceme em 2021, o estado conta com mais de 100 mil barramentos, muitos de pequeno porte. E a pergunta que fica é: qual a qualidade da água armazenada nesses reservatórios?”, questiona.

A pesquisadora lembra que a alta evaporação e o aporte de nutrientes tornam muitos açudes vulneráveis à eutrofização, que é o processo que reduz a qualidade da água e compromete a vida aquática.

“Mesmo com os avanços recentes do marco de saneamento, os efeitos sobre os reservatórios ainda podem ser sentidos por pelo menos dois anos, que é o tempo de residência da água”, acrescenta Guimarães.

Seis reservatórios como estudo de caso

Para a fase inicial, foram selecionados seis reservatórios estratégicos: Castanhão, Curral Velho, Edson Queiroz, Jaburu I, Pacoti e Olho d’Água. A escolha, segundo a pesquisadora da Funceme, contou com o apoio da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh). “A parceria foi fundamental. Juntas, as equipes da Funceme e da Cogerh definiram critérios que consideraram a variabilidade trófica, área do espelho d’água, volume armazenado e importância para o abastecimento humano”, explica.

Imagem de satélite do açude Curral Velho, datada de junho de 2024. O reservatório mostrava alta presença de clorofila. (FOTO: Funceme)

O objetivo era contemplar reservatórios de diferentes portes e regiões, permitindo observar uma gama variada de condições ambientais e níveis de eutrofização.

“O monitoramento da qualidade da água é fundamental para a saúde da população e a preservação do meio ambiente”, enfatiza Clécia Guimarães.

Segundo ela, é por meio desse acompanhamento que se identifica a ocorrência de processos como a eutrofização, impulsionada pelo excesso de nutrientes, especialmente fósforo e nitrogênio, oriundos de fertilizantes, esgotos e sedimentos.

“Esse processo reduz a transparência da água, diminui a produção de oxigênio e pode causar florações de cianobactérias potencialmente tóxicas. Garantir a qualidade da água é, portanto, uma ação preventiva e estratégica para o bem-estar humano e a sustentabilidade ambiental.”

Como o sensoriamento remoto faz isso

De forma simplificada, o sensoriamento remoto permite analisar corpos d’água sem contato direto. “Toda forma de energia interage com os objetos da superfície terrestre. Os sensores captam essa energia e permitem inferir características sem precisar tocá-los. É o que chamamos de sensoriamento remoto”, explica Clécia Guimarães.

A técnica utiliza diferentes regiões do espectro eletromagnético, principalmente o visível e o infravermelho, para estimar parâmetros como clorofila-a, sedimentos em suspensão, matéria orgânica e turbidez. “Quando a radiação solar incide sobre o reservatório, ela interage com esses parâmetros e retorna para o sensor, que identifica a concentração de cada um deles”, detalha.

Coleta e processamento de dados

Durante o projeto, a equipe realizou coletas mensais durante um ano, em, pelo menos, três pontos de cada um dos seis reservatórios analisados.

“Foram coletadas amostras na superfície e à profundidade do disco de Secchi, seguindo metodologia da Agência Nacional de Águas. Também utilizamos sondas multiparamétricas e sensores radiométricos para medir parâmetros de campo e dados espectrais”, relata a pesquisadora.

Essas informações foram relacionadas às imagens do satélite Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia. “A coleta era feita o mais próximo possível da passagem do satélite. Depois, os dados foram analisados estatisticamente e comparados aos da Cogerh. A partir disso, desenvolvemos equações que permitem quantificar os parâmetros de qualidade diretamente nas imagens”, explica.

Inovação

O uso do sensoriamento remoto representa um salto qualitativo no monitoramento. “Conseguimos observar o comportamento da eutrofização em toda a extensão do reservatório, e não apenas em pontos isolados”, destaca a servidora da Funceme.

Além disso, a frequência das observações também aumenta. “Enquanto o monitoramento convencional é feito a cada três meses, o satélite Sentinel passa a cada cinco dias. Mesmo com a limitação de nuvens, é possível gerar compostos quinzenais ou mensais, o que representa um grande ganho.”

Ela ressalta, porém, que a técnica não substitui o monitoramento convencional. “Os dados de campo são essenciais para calibrar e validar os modelos. O sensoriamento remoto vem para agregar e fortalecer as análises”, reforça.

Resultados e aplicações

Os resultados já mostram potencial de uso tanto para gestores públicos quanto para comunidades locais.

“Identificar o grau e a periodicidade da eutrofização permite associar o fenômeno a atividades humanas e adotar medidas preventivas”, explica Clécia. “Em alguns casos, os gestores podem inclusive avaliar riscos à saúde e restringir o uso da água.”

Para os pequenos proprietários, a ferramenta também tem valor educativo. “Como ela permite monitorar açudes menores, o produtor pode observar a qualidade da água de sua propriedade e refletir sobre suas práticas. Isso ajuda a criar senso de pertencimento e responsabilidade ambiental.”

O que os dados revelaram

Entre os resultados, chamou atenção a capacidade de identificar reservatórios na Região Metropolitana de Fortaleza, mesmo com as dificuldades de interferência de nuvens e edificações.

“Isso abre caminho para estudos sobre poluição difusa e pontual, além de análises da eficiência das redes de saneamento”, comenta Clécia.

O comportamento da eutrofização também variou conforme as condições climáticas. “No Castanhão, por exemplo, observamos que a seca de 2012 a 2017 aumentou a eutrofização, mas com a volta das chuvas, houve melhora perceptível na qualidade da água.”

Outro destaque foi o açude Curral Velho, que apresentou, ao longo da série temporal de 2018 a 2024, níveis de clorofila acima do permitido pela Resolução Conama 357/2005. “É um dado preocupante, já que o Curral Velho é fundamental para o abastecimento da Região Metropolitana. Precisamos monitorar mais de perto o aporte de nutrientes que chegam até ele”, alerta a pesquisadora.

Expansão 

Atualmente, o projeto cobre seis áreas (tiles) do satélite Sentinel-2, o que permite processar cerca de 60 reservatórios. “Para cobrir todo o estado, seriam necessários 20 tiles. Nosso objetivo é expandir essa metodologia para contemplar todos os açudes monitorados e não monitorados do Ceará”, afirma Clécia Guimarães.

Com o avanço da tecnologia e o apoio institucional, o Ceará dá mais um passo rumo a uma gestão hídrica mais eficiente, preventiva e sustentável.




Fonte: Agência de Notícias do Estado do CE

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