Bolsistas do Programa Celso Furtado desenvolvem pesquisa que auxilia no acesso à saúde bucal da população em situação de rua
Estudantes bolsistas do Programa Celso Furtado estão desenvolvendo uma pesquisa que busca garantir o acesso à saúde bucal e promover a inclusão social de pessoas em situação de rua em Campina Grande (PB). O estudo tem como objetivo construir um itinerário de cuidados odontológicos voltado a essa população, articulando universidade, serviço público e cidadania.
Coordenado pela professora Alidianne Fá Cabral Cavalcanti, do curso de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), o projeto é conduzido com o apoio do Governo da Paraíba, por meio do Programa Celso Furtado, vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties) e executado pela Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq).
Os primeiros resultados da pesquisa, originados da dissertação de mestrado da odontóloga Gabrielli Bezerra Salles, revelam um cenário preocupante: 100% da população em situação de rua avaliada possui pelo menos um dente cariado, mais de 80% já perderam dentes e 90% apresentam doença periodontal (inflamação das gengivas e do osso de sustentação dental, causada pelo acúmulo de placa bacteriana e tártaro).
Esses dados inéditos, que serão apresentados aos gestores municipais, servirão como base para a continuidade da investigação na nova fase do projeto intitulada “Pessoas em situação de rua como sujeitos de direitos: do diagnóstico da condição de saúde bucal à construção de um itinerário de cuidados odontológicos”.
O estudo avaliou 133 pessoas em situação de rua atendidas pelas equipes de Consultório na Rua em Campina Grande. “Os dados mostram uma urgência que não vinha sendo registrada na cidade: não havia números sobre a saúde bucal dessa população”, destacam as pesquisadoras.
A prevalência de cáries, perdas dentárias e doenças gengivais foi associada a fatores sociais como idade, ausência de benefícios, falta de trabalho e baixa autopercepção de saúde. O levantamento também mostrou que a população em situação de rua é formada majoritariamente por homens jovens, entre 19 e 44 anos, em sua maioria não brancos, com tempo de permanência nas ruas que varia de menos de um ano a mais de 11 anos.
Mais que números: dor e exclusão social
A pesquisa expõe não apenas um problema de saúde, mas também de cidadania. A perda dentária afeta a autoestima e se torna um obstáculo à reinserção social e profissional. “A dor de origem odontológica impacta a qualidade de vida. Além disso, o sorriso é um cartão de visitas. Quando vemos que a maioria dessas pessoas perdeu dentes, entendemos como isso interfere nas chances de conseguir um emprego e reconstruir a vida”, explica Gabrielli.
Para Isabelly Lúcia Silva Santos, estudante do quinto período de Odontologia da UEPB e bolsista do Programa Celso Furtado, o projeto vai além do atendimento clínico: “Nosso objetivo é levar direitos a essas pessoas, empoderá-las através da informação e da educação em saúde bucal. O pensamento de Celso Furtado sobre desigualdade social inspira nossa prática: não é apenas tratar os dentes, mas enfrentar as barreiras que aprofundam a exclusão.”
O papel do Programa Celso Furtado
O Programa Celso Furtado é uma iniciativa do Governo da Paraíba que estimula a produção científica voltada ao desenvolvimento regional e à redução das desigualdades. O programa oferece bolsas e estrutura para projetos que integram ensino, pesquisa e impacto social, com base no pensamento do economista Celso Furtado,
Segundo a professora Alidianne Fá Cabral Cavalcanti, o apoio do programa foi fundamental para que a pesquisa ultrapassasse o diagnóstico e avançasse em ações concretas:
“O Celso Furtado não só permite coletar informações, mas também pensar em estratégias de cuidado. Nossa meta é construir um itinerário terapêutico que garanta o acesso dessas pessoas a toda a rede de atenção odontológica, da básica à especializada.”
Ela ressalta que o programa é o alicerce da iniciativa: “Sem ele, esse projeto não teria saído do papel. Ele garante bolsas para estudantes e viabiliza uma atuação integrada, unindo diagnóstico, intervenção e formação acadêmica.”
A próxima etapa contará com Isabelly e mais dois estudantes de Psicologia, reforçando a dimensão interdisciplinar da proposta.
Do diagnóstico à política pública
Os dados coletados trazem à tona uma epidemia silenciosa de cárie e perda dentária entre pessoas em situação de rua em Campina Grande. As avaliações ocorreram em locais como o Centro Pop, unidades de acolhimento e espaços de convivência mapeados pelas equipes do Consultório na Rua, incluindo praças, feiras e áreas sob viadutos.
As equipes do programa municipal, apesar de multidisciplinares, não incluem cirurgiões-dentistas, uma lacuna que compromete o cuidado integral. “Infelizmente, a saúde bucal ainda não é vista como prioridade. Mas nosso levantamento mostra que não é possível falar em saúde integral sem considerar a boca”, afirma Alidianne.
Para os estudantes, a vivência no projeto tem sido transformadora. “Conhecer essa realidade me faz entender que a odontologia vai além da clínica privada. É um compromisso com a transformação social. Participar desse projeto é um divisor de águas na minha formação”, diz Isabelly.
A equipe agora se prepara para apresentar os resultados à Secretaria Municipal de Saúde e à Coordenação de Saúde Bucal de Campina Grande. A proposta é construir um itinerário terapêutico que assegure tratamentos básicos e especializados, como reabilitação protética.
“O direito à saúde inclui o direito ao cuidado odontológico. Sem dentes, essas pessoas não apenas sentem dor, elas enfrentam barreiras para se alimentar, sorrir e exercer plenamente sua cidadania”, conclui a professora Alidianne.
