Audiência pública debate políticas para pessoas desaparecidas em Sergipe

Publicado em: 22/10/2025 23:28

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), presidida pela deputada estadual Linda Brasil (Psol), promoveu nesta quarta-feira (22), uma importante audiência pública com o tema “Pessoas Desaparecidas em Sergipe”. O evento aconteceu na Sala de Comissões da Alese e reuniu representantes do poder público, Judiciário, Ministério Público, instituições acadêmicas, imprensa e movimentos sociais.

Durante a audiência, foram debatidos os desafios da implementação da política estadual de busca e localização de pessoas desaparecidas, recentemente aprovada pela Alese, além da apresentação e lançamento da cartilha informativa “Guia de informações sobre pessoas desaparecidas”, elaborada pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (Unit/SE).

“É preciso construir uma rede forte e humanizada”

Idealizadora da audiência pública e uma das autoras da Lei 9.763 de 7 de outubro de 2025, que institui a Política Estadual de Busca de Pessoas Desaparecidas, a deputada Linda Brasil destacou a urgência do tema e a importância de estruturar uma rede integrada de acolhimento, apoio e investigação:

Dep. Linda Brasil

“Com a aprovação da nossa lei, Sergipe passa a ter um instrumento jurídico fundamental para fortalecer essa rede de proteção. Mas a lei, por si só, não resolve: precisamos discutir estratégias e mecanismos de implementação, capacitar profissionais, garantir orçamento e, principalmente, olhar com mais humanidade para as famílias que enfrentam o desaparecimento de entes queridos. Muitas dessas famílias não sabem a quem recorrer, ficam sem informações e sem assistência. A cartilha lançada hoje, fruto de uma pesquisa rigorosa da UNIT, vem justamente para preencher essa lacuna informativa. Queremos evitar que mais pessoas desapareçam, garantir respostas para quem busca seus familiares e, acima de tudo, assegurar os direitos humanos dessas pessoas.”

A parlamentar também alertou sobre o perfil das vítimas:

“Quando analisamos os dados, percebemos que a maioria das pessoas desaparecidas está em situação de vulnerabilidade social. São pessoas que já enfrentam dificuldades cotidianas, e o desaparecimento aprofunda ainda mais essa exclusão. Essa audiência tem o propósito de somar forças, dar visibilidade ao tema e construir soluções a partir do diálogo entre todas as instituições envolvidas.”

“Desaparecimentos superam mortes violentas no Brasil”

Um dos principais nomes da pesquisa sobre desaparecimentos no país, o delegado da Polícia Civil de Sergipe e professor do PPGD/UNIT, Ronaldo Alves Marinho da Silva, trouxe dados alarmantes sobre a gravidade do problema:

Delegado e professor Ronaldo Marinho

“Temos hoje no Brasil cerca de 80 mil pessoas desaparecendo por ano, o que representa uma média de 222 pessoas por dia. Em Sergipe, são dois desaparecimentos por dia. Isso significa que temos um número de desaparecidos maior do que o de vítimas de mortes violentas. E o mais preocupante: apenas cerca de 56% dessas pessoas são localizadas no mesmo ano. Ou seja, temos um passivo imenso, e grande parte da sociedade ainda desconhece a dimensão desse problema.”

O professor defendeu a cartilha como um instrumento essencial de democratização da informação:

“A cartilha vem como um guia, um farol para orientar as pessoas sobre o que fazer, quando fazer, quem procurar, e de quem é a responsabilidade. No momento do desaparecimento, as famílias estão em dor, em desespero. Precisam de respostas claras. Esse material preenche essa necessidade, com linguagem acessível, e é gratuito, digital, podendo ser compartilhado por qualquer pessoa. É também uma forma de cobrar o Estado, porque política pública só se torna real quando chega às pessoas.”

Ele também reforçou a necessidade de políticas públicas integradas:

“Não há como resolver esse problema com uma instituição isoladamente. É uma pauta transversal, que envolve segurança pública, assistência social, saúde mental, educação e o próprio Judiciário. A audiência pública é um espaço importante de construção coletiva, e fico muito feliz com o protagonismo da Alese neste debate. Essa Casa abraçou o projeto como prioridade, e isso é um sinal claro de comprometimento com os direitos humanos.”

“Sergipe pode ser modelo para o Brasil”

Coordenadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos da UNIT, a professora Grasielle Borges Vieira de Carvalho destacou que a universidade vem atuando ativamente na construção de conhecimento sobre o tema, com o objetivo de propor caminhos práticos para a população e para o poder público:

Professora Grasielle Vieira

“A UNIT tem um grupo de pesquisa que atua com temas como execução penal, segurança pública e pessoas desaparecidas. O professor Ronaldo lidera uma pesquisa nacional sobre como a rede de proteção se organiza no Brasil. E, com base nesse trabalho, organizamos esta cartilha para orientar a sociedade. Muitos ainda acreditam que é preciso esperar 24 horas para denunciar um desaparecimento, e isso não é verdade. Informação pode salvar vidas.”

Ela reforçou o papel das universidades na articulação com os demais poderes:

“A universidade sozinha não resolve o problema. O poder legislativo sozinho também não. Por isso nos unimos à Comissão de Direitos Humanos da Alese, através da deputada Linda Brasil, para promover este espaço de fala, de escuta e de proposição. A cartilha é fruto disso. Ela está disponível gratuitamente, é digital, e queremos que chegue ao maior número possível de pessoas.”

Grasielle acredita que Sergipe tem potencial para ser referência:

“Por sermos o menor estado do país, temos a possibilidade real de organizar uma rede articulada, eficiente e acolhedora. Podemos ser modelo. Mas, para isso, é fundamental que os serviços existentes sejam fortalecidos e integrados. A cartilha não é apenas um material informativo, é também um chamado à responsabilidade coletiva.”

Delegada Lara Schuster apresenta atuação do Núcleo de Pessoas Desaparecidas

Representando a Polícia Civil e o Núcleo de Pessoas Desaparecidas, criado oficialmente em agosto de 2024, a delegada Lara Schuster destacou a atuação do novo setor e a importância da política estadual recentemente aprovada:

Delegada Lara Schuster

“Com a lei estadual, temos agora uma política própria em Sergipe, que se soma à política nacional. O nosso Núcleo tem como missão monitorar, orientar e padronizar os procedimentos nos casos de desaparecimento. A investigação em si continua sendo feita pelas delegacias de área, mas o núcleo presta apoio técnico e faz o acompanhamento dos casos. Também recebemos os familiares que buscam informações sobre o andamento das investigações.”

A delegada reforçou que o fortalecimento dessa estrutura é essencial para garantir um atendimento mais humano e eficiente:

“É um passo importante. O desaparecimento de uma pessoa é sempre uma tragédia para a família. A existência de uma estrutura especializada permite mais agilidade, mais acolhimento e melhores resultados.”

Participação de instituições e sociedade civil amplia o debate

A audiência pública contou ainda com a participação da: Juíza Juliana Nogueira Galvão Martins, coordenadora da Mulher; do Promotor de Justiça Antônio Fernandes da Silva Júnior, diretor do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP; da médica psiquiatra Ana Salmeron, do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; de Gisely Barreto dos Santos, do Instituto de Identificação de Sergipe e da Jornalista Anna Fontes, da TV Sergipe, responsável pelo quadro “Desaparecidos”, exibido no telejornal SE1, que semanalmente dá visibilidade a casos e relatos de familiares.

Cartilha digital está disponível gratuitamente

A cartilha “Guia de informações sobre pessoas desaparecidas” já está disponível para acesso público. O material traz orientações práticas sobre os primeiros passos em casos de desaparecimento, contatos úteis, esclarecimento de mitos e informações sobre a política pública em vigor.

O documento pode ser acessado, baixado e compartilhado livremente por qualquer cidadão, organização ou instituição interessada, acessando este link.

Compromisso com os direitos humanos

Ao final da audiência, a deputada Linda Brasil reforçou o compromisso do seu mandato com a pauta dos direitos humanos e destacou que a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Alese continuará atuando para garantir visibilidade, políticas efetivas e acolhimento para as famílias.

“Vamos continuar pautando temas que muitas vezes são invisibilizados, mas que impactam diretamente milhares de vidas. O desaparecimento de uma pessoa não é apenas um número, é uma dor que precisa ser ouvida e enfrentada com políticas públicas eficazes, empatia e justiça.”

Fotos: Joel Luiz / Agência de Notícias Alese

Fonte: Agência de Notícias do Estado de SE

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